20091001

Ode à Lisboa revisitada de Pessoa

Nao me tragam estéticas!
nao me falem em moral!
tirem-me daqui a metafisica!
nao me apregoem sistemas completos, nao me enfileirem conquistas
das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)-
das ciências, das artes, da civilizaçao moderna!......
se têm a verdade guardem-na!
sou um técnico, mas tenho técnica so dentro da técnica,
fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo....
Queriam me casado, futil, quotidiano e tributàvel?
queriam-me o contràrio disto, o contràrio de qualquer coisa?
se eu fosse outra pessoa, fazia lhes, a todos, a vontade.
assim, como sou, tenham paciência!
vao para o diabo sem mim,
ou deixem me ir sozinho para o diabo!
para que havemos de ir juntos?..........
O ceu azul- o mesmo da minha infância-
eterna verdade vazia e perfeita!
o macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
o màgoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!.....
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
a que chamamos mundo?
a cinematografia das horas representadas
por actores de convençoes e poses determinadas,
o circo policromo do nosso dinamismo sem fim?.....
primeiro é a angustia, a surpresa da vinda
do mistério e da falta da tua vida falada
depois o horror do caixao visivel e material
e os homens de preto que exercem a profissao de estar ali.
depois a familia a velar, inconsolàvel e contando anedotas,
lamentando a pena de teres morrido,
e tu mera causa ocasional daquela carpidaçao,
tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas........
mesmo que estejas muito mais vivo além
depois a tràgica retirada para o jazigo ou a cova,
e depois o principio da morte da tua memoria.
Hà primeiro em todos um alivio
da tragédia um pouco maçadora de teres morrido
depois a conversa aligeira-se quotidianamente
e a vida de todos os dias retoma o seu dia...........
encara te a frio, e encara a frio o que somos
se queres matar te, mata te
nao tenhas escupulos morais, receios de inteligência!
que escrupulos ou receios tem a mecanica da vida?
que escrupulos quimicos tem o impulso que gera
as seivas, e a circulaçao do sangue, e o amor?
que memoria dos outros tem o ritmo alegre da vida?
ahh, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
nao vês que nao tens importância nenhuma?
és importante para ti, porque é a ti que te sentes
és tudo para ti, porque para ti és o universo,
e o proprio universo e os outros
satélites da tua subjectividade objectiva.
és importante para ti porque so tu és importante para ti.
e se és assim, o mito, nao serao os outros assim?............
dispersa te, sistema fisico-quimico
de células nocturamente conscientes
pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
pelo grande cobertor nao-cobrindo-nada das aparências,
pela relva e a erva da proliferaçao dos seres,
pela névoa atomica das coisas,
pelas paredes turbilhonantes
do vàcuo dinâmico do mundo.......

1 comentário:

The Man with the Plan disse...

que memoria dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Também eu queria saber